SINDIFES FASUBRA Central Única dos Trabalhadores

A educação e a cultura do estupro se entrelaçam no Brasil partido

02/06/2016
Impressão amigávelImprimir Gerar PDFPDF


Dentre os muitos acontecimentos que têm marcado a vida dos brasileiros nos últimos dias, dois eventos, aparentemente desconexos, dominaram a cena política na penúltima semana do mês de maio. O primeiro foi o fato de o ministro da Educação do governo interino, Mendonça Filho, receber em audiência na quarta-feira, 25 de maio de 2016, o ator Alexandre Frota. Além dele, três integrantes do grupo pró-impeachment “Revoltados Online” acompanhavam Frota, um conhecido protagonista de filmes pornográficos. Segundo informações do ator, o grupo entregou ao ministro uma pauta com sugestões para a área da educação, dentre elas o projeto intitulado "Escola sem partido", que defende o fim daquilo que os idealizadores chamam de "doutrinação ideológica das escolas". De acordo com Frota, o projeto contém algumas ideias para “ajudar um país que ama”.

O segundo evento que marcou o país neste maio fatídico foi um caso de estupro múltiplo, ocorrido com uma adolescente numa comunidade do Rio de Janeiro. A jovem J.A., de 16 anos, apareceu desmaiada e seminua em vídeos divulgados na internet por alguns de seus 33 estupradores, que se vangloriavam do ato nos vídeos, amplamente compartilhados em redes sociais. Novamente o país partido se manifesta por causa deste episódio, visto nas milhares de visualizações e comentários decorrentes da postagem dos vídeos, muitos deles acusando a adolescente de ser responsável pelo seu próprio estupro.

Intersecção

Os polêmicos assuntos se cruzam num ponto chave e essencial para a percepção da seriedade das situações relatadas. A partir das inúmeras críticas recebidas, o ministro Mendonça Filho afirmou ter tido uma “visita” de Alexandre Frota e seu grupo, e em nota à imprensa justificou que tem como prática atender às solicitações de audiência, assim como dar retorno aos contatos recebidos; que não discrimina ninguém, porque respeita a liberdade de cada pessoa fazer suas escolhas de vida e que não via problema em recebê-lo e aos demais para uma visita.

Acontece que Alexandre Frota, em 2014, em um programa de televisão vespertino, entre aplausos e gargalhadas da platéia majoritariamente feminina, informou, em rede nacional, que havia estuprado uma mulher, uma “mãe de santo”, e que a mesma estava inconsciente devido à pressão que ele fizera em sua nuca ao colocá-la “de quatro”. Portanto, o Ministro da Educação abriu a porta do ministério para um criminoso declarado, que incita e faz apologia à violência contra as mulheres, crime tipificado no Código Penal Brasileiro. Para além disso, ainda temos a recepção dada pelos autores a um projeto que contraria preceitos constitucionais – o "Escola Sem Partido", que defende o fim daquilo que os idealizadores da proposta chamam de "doutrinação ideológica das escolas" – e que fere o direito à educação, aos direitos civis e aos direitos humanos. Ainda, das ideias contidas no projeto constam sugestões fascistas, inspiradas na ditadura militar e no Golpe de 64. É também antipedagógico, pois quando um professor disser numa sala de aula que “um corpo quando cai é devido à gravidade” e um aluno disser “não, professor foi Deus”, e for contestado pelo professor, este estará, segundo os idealizadores, cometendo “doutrinação ideológica”.

Aumento de casos de estupro

Segundo especialistas, nos últimos anos em todo o país aumentou a incidência de casos de estupro, inclusive os estupros múltiplos. As denúncias de abusos de álcool e drogas, seguidos de abusos sexuais, estão aumentando e não apenas nos relatos do Sistema Único de Saúde (SUS), mas também nos coletivos de mulheres, segundo a psiquiatra Gislene Valadares, que atende no ambulatório do Hospital das Clínicas da UFMG e é presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento de Ofensas Sexuais (ABTOS), em entrevista ao Web Portal do Jornal O Estado de Minas, de 29 de maio. De acordo com a médica “menos de 30% das mulheres violentadas procuram ajuda especializada”. Ela relata, ainda, que “na classe média alta, são mais comuns as festas regadas a drogas, e que os problemas decorrentes dos abusos são resolvidos nos consultórios particulares e nas clínicas de aborto clandestinas".

De acordo com estatísticas da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) somente em Minas Gerais foram registrados, em 2014, 4.348 casos de violência sexual, contabilizando estupros consumados e tentados com mulheres adultas e consumados e tentados com vulneráveis (vítimas menores de 14 anos). Considerando essas quatro tipificações, Minas registrou, de janeiro a abril de 2016, 1.355 casos de violência sexual. Desses, 437 de estupros consumados. 100 casos foram registrados no mês de abril de 2016. Ainda, é possível afirmar que a violência sexual é infinitamente maior contra as mulheres, que constituem cerca de 90% dos casos registrados.

Ressignificar a vida

As vítimas de estupro continuarão vítimas por toda a sua vida. Terão que conviver com os traumas decorrentes da violência, desequilíbrio mental, síndromes diversas e outras doenças psicológicas e físicas. Muitas não suportam o sofrimento e tentam o suicídio, sendo freqüentes as mortes provenientes das seqüelas do estupro.

No mundo inteiro, meninas e adolescentes sofrem as consequências da violência sexual contra mulheres, que precisa ser denunciada e combatida. Para a médica Gislene Valadares, “é um evento difícil, traumático e humilhante na vida de uma mulher, mas na medida em que ela percebe que o problema não é só com ela, poderá ressignificar outros aspectos de maior importância na sua vida". Ser mulher não é fácil, alerta a médica.

Também em entrevista ao Web Portal do Jornal O Estado de Minas, de 29 de maio, a doutoranda em Ciência Política da UFMG, Clarisse Goulard Paradis, afirmou que a cultura do estupro é disseminada na sociedade, sendo a estratégia patriarcal de controle do corpo da mulher, que é vista “como coisa, objeto e não como sujeito". Para ela, que realiza pesquisa sobre o feminismo, há uma ideia de que o corpo da mulher é de propriedade pública e que, muitas vezes, os homens que cometem violência sexual são vistos como loucos. Porém, Clarisse alerta que o estupro é uma prática recorrente, é algo estrutural.

Cultura do estupro

O presidente golpista Michel Temer anunciou, após a comoção resultante do caso do estupro coletivo da adolescente carioca, a criação de um departamento na Polícia Federal para combater a violência contra a mulher. Entretanto, tal medida soa como oportunismo de última hora, uma vez que, no primeiro dia da sua gestão, acabou com o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Além disso, comete o enorme equívoco de achar que a violência contra a mulher é combatida somente com repressão. A cultura do estupro, já institucionalizada no país, é reafirmada e legitimada quando um ministro de Educação recebe em seu gabinete um estuprador confesso, além de pessoas que querem acabar com a única forma de se erradicar tais práticas no país: a educação para a igualdade e o respeito às diferenças.

O SINDIFES, unindo sua voz a todas as demais que denunciam o estupro como uma das mais cruéis e perversas formas de violência contra as mulheres, conclama toda a Categoria dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação a se unirem nesta grande cruzada em busca da mudança tão necessária para exterminar a cultura do estupro. É, também, essencial que as vítimas sejam acolhidas, tratadas, fortalecidas e protegidas, para terem a coragem e a determinação necessária para denunciar os estupradores. Por outro lado, é fundamental que as autoridades sejam ágeis e que suas ações determinem, de fato, a punição deste crime hediondo que é a violência sexual, que marca para sempre a vida de cada vítima! Neste sentido, vale destacar a ação das autoridades cariocas que, pressionados pela sociedade, afastou o Delegado que cuidava do caso da menor J.A. e nomeou uma Delegada que, imediatamente, mandou prender os envolvidos nesse repugnante ato de violência que atingiu a todas nós, mulheres!


Sistema Jurídico






  

Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino Universidade Federal de Minas Gerais CEFET-MG Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Instituto Federal de Minas Gerais
Desenvolvimento: DataForge | Najla Mouchrek      | 2014 | Sindifes | Todos os direitos reservados